A telemedicina no Brasil foi regulamentada pela Resolução CFM nº 1.643/2002 (restabelecida pela Resolução CFM 2.228/2019), que traz a disciplina da prestação de serviço médico à distância.
A resolução definiu a telemedicina como o exercício da medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação audiovisual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em Saúde[1].
Não obstante a possibilidade de utilizar-se dessas tecnologias de interação, a resolução não se distanciou das responsabilidades éticas que exigem o tradicional contato presencial entre o médico e o paciente, colocando a telemedicina como ferramenta auxiliar na condução desse relacionamento.
No âmbito da resolução acima apresentada, a telemedicina ficou legada para casos de emergência, em que o médico responsável pelo paciente poderá utilizar-se de amparo técnico de outro médico especialista na área de tratamento do paciente, através de emissão de laudos e pareceres no auxílio de diagnósticos, com a transmissão dessas informações através de tecnologias de interação à distância (art. 3º da Res CFM 1.643/2002)[2].
Nesse cenário, a responsabilidade pela prestação do serviço recai sobre o médico responsável pelo paciente, colocando o médico auxiliar como responsável solidário na proporção em que contribuir para eventuais danos ao paciente (art. 4º da Res CFM 1.643/2002)[3].
Recentemente, o Conselho Federal de Medicina enviou ao Ministro de Estado da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o Ofício nº 1.756/2020 COJUR, em que ampliou o uso da telemedicina, durante a pandemia do COVID-19, com o objetivo de proteger a saúde dos médicos e dos pacientes.
Segundo o ofício, o CFM “decidiu aperfeiçoar ao máximo a eficiência dos serviços médicos prestados e, em caráter de excepcionalidade e enquanto durar a batalha de combate ao contágio da covid-19, reconhecer a possibilidade e a eticidade da utilização da telemedicina, além do disposto na Resolução CFM nº 1.643, de 26 de agosto de 2002”. Com a edição do ofício houve a regulamentação da teleorientação, telemonitoramento e a teleinterconsulta.
A teleorientação foi definida como o procedimento para que os profissionais da medicina realizem à distância a orientação e o encaminhamento de pacientes em isolamento. O telemonitoramento é o ato realizado sob orientação e supervisão médica para o monitoramento ou vigência à distância de parâmetros de saúde e/ou doença. Por último, a teleinterconsulta ficou exclusivamente para troca de informações e opiniões entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico[4].
Em manifestação do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), a seguinte orientação foi postada[5]:
Considera-se “Telemedicina”, até a emissão de nova Resolução pelo CFM, as orientações fornecidas pelo médico a doentes previamente avaliados clinicamente, de forma presencial, pelo médico (teleorientação); a emissão de receita, por meio eletrônico, dos doentes anteriormente examinados pelo médico, com validade das receitas conforme a atual legislação; as orientações de manutenção, troca ou modificação de terapêutica de doentes já acompanhados pelo médico (telemonitoramento); as informações e orientações trocadas entre médicos (teleinterconsulta). Consultas novas (primeira vez) requerem, sempre, exame físico presencial e avaliação do paciente.
No atual momento de isolamento social imposto pelas autoridades de saúde, o relacionamento pré-existente entre médico e paciente, que já tenham tido contato presencial em momento anterior, poderá ser continuado através da telemedicina, nas modalidades de teleorientação e telemonitoramento, com o auxílio da teleinterconsulta.
Contudo, no que concerne à primeira consulta, ou seja, primeiro contato entre médico e paciente, ainda há impedimento pela utilização da telemedicina. Até mesmo porque, a ampliação desse sistema não deixou de lado a exigência de que para a primeira consulta, ou seja, o primeiro contato entre médico e paciente, ocorra de forma presencial. O artigo 37, parágrafo único, da Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009, Código de Ética Médica, não foi revogado e dispõe que é vedado ao médico:
Art. 37. Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realiza-lo, devendo, nessas circunstâncias, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento.
Parágrafo único. O atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina.
O atendimento à distância de pacientes, sem o primeiro contato presencial, somente poderá ocorrer em caso de urgência e emergência, com a comprovação de que não foi possível realiza-lo presencialmente. A partir do momento em que cessar a situação que impediu o atendimento presencial, o medico deverá fazê-lo imediatamente. Todas essas situações precisam ser documentadas pelo médico para que, em caso de questionamento pelo órgão fiscalizador, possa demonstrar que agiu dentro da ética médica.
Segundo a orientação do CRM-PR, a utilização da telemedicina para atendimento de pacientes, mesmo que possa se pensar que o atual momento de isolamento social e pandemia atrai as situações de urgência e emergência prevista no artigo 37 acima mencionado, é de que “casos eletivos, tanto clínicos quanto cirúrgicos, devem ser marcados para quando a pandemia estiver controlada”[6].
Não obstante as orientações do CRM-PR, também cabe mencionar que a avaliação de casos que se encaixem entre os conceitos de urgência-emergência e eletivos, recai sobre o médico, dentro da sua autonomia no exercício da profissão, princípio este sagrado para o exercício da medicina (inciso VII, do Capítulo I, da Resolução 1.931/2009).
Portanto, a telemedicina poderá ser utilizada como instrumento de aperfeiçoamento do exercício da medicina, dentro dos padrões éticos, para enfrentar o atual momento de pandemia pelo Covid-19. Cabe aos médicos colocá-la em prática e extrair a melhor experiência possível. Se, ao final deste período, restar comprovada a eficiência da ferramenta, será difícil retroceder esse avanço tecnológico.
PETER EMANUEL PINTO
OAB/PR 51.541
MBA com ênfase em Finanças, Controladoria e Auditoria, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) (2018); Pós-graduação em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio (2017); Pós-graduação em Direito Tributário pelo IBET de Curitiba-PR (2011), graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Campos Gerais (2009). Atualmente é membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDTPR), professor de Direito tributário na graduação pelo Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais - Cescage. Professor de Direito Aplicado ao Agronegócio na Pós-Graduação pelo Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais - Cescage. Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB de Ponta Grossa-PR (gestão 2016-2018). Conselheiro da OAB de Ponta Grossa – PR (2019 – atual). Membro do Conselho Municipal de Contribuintes de Ponta Grossa – PR (2019 – atual). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Tributário, Empresarial, Médico e Previdenciário. Currículo Lattes http://lattes.cnpq.br/0202862329173706 - www.buhreradvogados.com.br
Bibliografia:
[1] Resolução CFM nº 1.643/2002. Disponível em https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2002/1643. Acessado em 27.03.2020
[2] Loc. cit..
[3] Loc. cit..
[4] Resolução CFM nº 1.643/2002, op. cit.
[5]CRM-PR. Pandemia COVID-19: orientações aos médicos. Disponível em https://www.crmpr.org.br/PANDEMIA-COVID19-ORIENTACOES-AOS-MEDICOS-11-53695.shtml, Acessado em 27.03.2020.
[6] Idem.