Gustavo Henrique Bowens[1]
Leticia Nascimento Bueno[2]
Que o século XXI é marcado pela era digital todos nós já sabemos. Mas quando o assunto se trata de herança digital, você sabe do que estamos falando?
Vivemos em tempos onde visitar lugares, conhecer pessoas e acessar informações se tornou muito mais fácil, pois a internet trouxe consigo novos hábitos e experiências que hoje a conecta com todas as áreas da vida do indivíduo, inovando os conceitos de praticidade e agilidade no dia a dia. Todavia, essa influente ferramenta se tornou o maior acervo de armazenamento de informações no mundo, sendo estas, muitas vezes, de caráter íntimo e privado, guardadas sob o total domínio de grandes plataformas digitais.
Como titular do direito, a pessoa ainda em vida pode decidir o destino dessas informações, obedecendo os termos e as diretrizes de comunidade de cada plataforma. Contudo, muitas vezes, pela ausência de um clique, após a morte do indivíduo, essas grandes empresas tomam para si a total propriedade desse conjunto de dados, pressupondo proteger a privacidade do usuário, visto que suas políticas não permitem transferência de acesso a terceiros, caso tal faculdade não tenha sido delegado em vida.
Diante disso, muitas pessoas têm encontrado dificuldades em obter alcance aos pertences digitais do falecido, impossibilitando a administração dos bens digitais de valor econômico e a preservação de lembranças afetivas dos bens de valor sentimental. Com isso, surgiu um conflito entre o direito sucessório e o direito da personalidade, visto que ainda não existe legislação positivada para tratar do assunto, nem prever soluções para essa problemática que ascende cada vez mais.
Para entender do que se trata essa realidade, é necessário antes fazer um breve relato sobre o objeto do direito sucessório. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves[3] (2011, p.19) em sentido amplo, sucessão significa “ao ato pelo qual uma pessoa assume o lugar da outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens”. Logo, esse ramo do Direito Civil, considerado um direito fundamental[4] (art. 5º, XXX, CF) se responsabiliza por regular a transferência da titularidade do patrimônio (ativo e passivo) de uma pessoa (chamada autor ou de cujus) aos seus sucessores (herdeiros legítimos, facultativos, universal ou legatários).
Isto posto, a definição de herança tem origem no latim (haerentia). No âmbito jurídico, representa todo bem material, direito ou obrigação que, após a morte, é transferido para outra pessoa. Na definição de Carlos Roberto Gonçalves[5] (2011, p. 32) se trata de uma somatória de bens e dívidas, créditos e débitos, direitos e obrigações, pretensões e ações titulares do falecido, desde que possam ser transmitidas.
Já o termo herança digital é a combinação entre “herança”, já tratada no Código Civil Brasileiro, e o termo “digital”, o qual abarca todos os ativos digitais, isto é, “os registros nos quais os indivíduos têm um direito ou interesse”[6] (ALMEIDA, 2019, p. 125). Sobre o objeto tutelado, é importante ressaltar o que diz Emerenciano[7] (2003, p. 78):
Os bens digitais constituem conjuntos organizados de instruções, na forma de linguagem de sobre nível, armazenados em forma digital, podendo ser interpretados por computadores e por outros dispositivos assemelhados que produzam funcionalidades predeterminadas.
Dessa forma, a herança digital está pautada na transferência de um patrimônio digital, que engloba bens incorpóreos tanto de valor econômico quanto de valor sentimental. De modo geral, aqueles podem ser representados por: criptoativos, domínios de sites, assinaturas digitais, sites e plataformas que permitem adquirir mídias digitais, milhas aéreas, pontos de cartão de crédito, jogos online pagos, perfis em redes sociais que atraem publicidade, canais de transmissão de conteúdo por meio de vídeos monetizados. Já estes bens podem ser: fotos, vídeos, áudios, e-mails ou publicações em redes de comunicação, além de e-books e mensagens de texto – sendo todos armazenados em servidores físicos ou em “nuvem”.
No Brasil, apesar de não existir legislação vigente que trate sobre o tema em especial, já há jurisprudência que pode servir como fundamento em eventuais lides. Entre os operadores do Direito, a busca por cursos de especialização em Direito Digital para inovar as práticas jurídicas e acompanhar a evolução da sociedade, tem se tornado fundamental. Felizmente, já existem também projetos de lei que tramitam no Congresso a fim de serem aprovados, propondo editar e incluir regras que facilitem o entendimento e resolução das corriqueiras situações.
Sendo assim, é notável que a tendência desse armazenamento de dados está a cada dia sendo mais adotada pela sociedade, aumentando assim a probabilidade desses bens se tornarem o objeto principal na disputa entre os herdeiros.
Portanto, a recomendação de especialistas da área tem sido a busca por assessoria jurídica para a elaboração do chamado testamento digital, o qual se trata de um documento registrado em cartório, contendo as especificações do destino dos bens digitais, se serão transferidos a alguém ou deletados, bem como quais serão. Dessa forma, evita-se que o patrimônio digital do falecido possa ser utilizado por terceiros de forma indevida e permaneça resguardado sob titularidade legítima.
[1] Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Bacharelando em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Pós-graduado em Direito “Lato Sensu” pelo Curso de Preparação à Magistratura da Escola da Magistratura do Estado do Paraná. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Sócio-Administrador do Escritório Pinto & Bowens – Advogados Associados. Pertencente ao Quadro Geral de Membros da Justiça Desportiva da Secretaria de Estado do Esporte e do Turismo do Estado do Paraná. Advogado atuante nas áreas de Direito Civil, Direito do Consu-midor, Direito das Sucessões, Direito Empresarial, Direito Tributário, Direito Previdenciário, Direito Médico e Direito Desportivo.
[2] Acadêmica de Direito do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais – Cescage
[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das sucessões. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011
[4] BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 fev. 2023
[5] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das sucessões. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011
[6] ALMEIDA, Juliana Evangelista de. Testamento Digital: como se dá a sucessão dos bens digitais [recurso eletrônico] Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2019.
[7] EMERENCIANO, Adelmo da Silva. Tributação no Comércio Eletrônico. Coleção de Estudos Tributários. São Paulo: IOB, 2003.