Oportunidades perdidas, fruto de conduta ilícita de outrem, podem representar direito à reparação financeira.
Gustavo Henrique Bowens[1]
Ingrid Ap. França[2]
Tema cada vez mais recorrente em ações judiciais, a teoria da perda de uma chance trata-se de uma forma de responsabilização civil, baseada na premissa de que se alguém pratica um ato ilícito que faz com que outra pessoa perca oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, esta conduta enseja indenização pelos danos causados.[3]
Conforme explicado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino no julgamento do Resp 1.291.247, a teoria, que foi desenvolvida na França (la perte d'une chance), tem aplicação quando o evento danoso acarreta para alguém a perda de uma chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda.[4]
Ainda, segundo o ministro, o precedente mais antigo, no direito francês, ocorreu em 1889, onde a Corte de Cassação aceitou indenizar uma parte demandada pela perda provocada pela conduta negligente de um oficial ministerial, que impediu o prosseguimento do procedimento e, consequentemente, a possibilidade de ganhar o processo.
Embora não tenha previsão expressa em nosso ordenamento jurídico, a teoria da perda de uma chance foi recepcionada pela doutrina e jurisprudência brasileiras, sendo constantemente utilizada nas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça sob diversos contextos.
Um dos casos mais emblemáticos envolvendo à aplicação da teoria da perda de uma chance e um dos mais citados como precedente, é o do programa televisivo Show do Milhão. No caso em comento, uma participante do game show deixou de ganhar o prêmio máximo de 1 milhão de reais em virtude de uma pergunta mal formulada pelo programa. Não encontrando nenhuma resposta confiável, a participante optou por não responder à pergunta final, recebendo, assim, o prêmio de R$ 500.000,00.[5]
Algum tempo depois, descobriu que a pergunta não tinha resposta correta, razão pela qual ingressou com uma ação judicial contra a emissora de TV, pleiteando indenização no valor de R$ 500.000,00 com base na teoria da perda de uma chance.
No julgamento do caso que ocorreu em 2005 (REsp 788.459/BA), a Quarta Turma do STJ entendeu que a participante só teria direito à indenização do valor de R$ 125.000,00, valor equivalente a um quarto do valor pleiteado, por ser uma “probabilidade matemática de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens”.[6]
Em outro caso, a Quarta Turma, no julgamento do REsp 1.540.153, aplicou a teoria da perda de uma chance para responsabilizar um banco que vendeu as ações de um investidor, sem sua autorização, causando-lhe prejuízo, pois o impediu de negociá-las em uma melhor oportunidade no futuro.
À guisa das decisões exaradas pelo STJ, nota-se que a indenização pela perda de uma chance se dá pela oportunidade perdida e não pela vantagem final esperada.
Contudo, vale ressaltar que a teoria em análise não se aplica a “danos imaginários’’ ou” meras expectativas’’.[7] Para a caracterização da responsabilidade civil pela perda de uma chance, é necessário que essa chance seja séria e real.
Além disso, para que esteja configurada a responsabilidade civil pela perda de uma chance devem estar presentes os seguintes requisitos: a) conduta voluntária ou culposa, lícita ou ilícita, decorrente de relação contratual ou não; b) A perda de uma expectativa séria e real da obtenção de um benefício ou de evitar um prejuízo; e c) o nexo de causalidade entre a conduta do agente e a perda da chance pela vítima. Presentes todos esses requisitos no caso concreto, a vítima poderá ser indenizada em pecúnia.
[1] Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Bacharelando em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Pós-graduado em Direito “Lato Sensu” pelo Curso de Preparação à Magistratura da Escola da Magistratura do Estado do Paraná. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Sócio-Administrador do Escritório Pinto & Bowens – Advogados Associados. Pertencente ao Quadro Geral de Membros da Justiça Desportiva da Secretaria de Estado do Esporte e do Turismo do Estado do Paraná. Advogado atuante nas áreas de Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito das Sucessões, Direito Empresarial, Direito Tributário, Direito Previdenciário, Direito Médico e Direito Desportivo.
[2] Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais
[3] TRT-3 - RO: 00118429320145030028 0011842-93.2014.5.03.0028, Relator: Convocado Jesse Claudio Franco de Alencar, Sexta Turma.
[4] STJ - REsp: 1291247 RJ 2011/0267279-8, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 19/08/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/10/2014.
[5] Disponível em https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/revista_doutrina_dos_30_anos.pdf
[6] STJ - REsp: 788459 BA 2005/0172410-9, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 08/11/2005, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 13/03/2006 p. 334.
[7] STJ - REsp: 1540153 RS 2015/0082053-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 17/04/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/06/2018.