A LIMITAÇÃO DO DIREITO DE RECURSO ORDINÁRIO AO CONSELHO DE CONTRIBUINTES E RECURSOS FISCAIS DO ESTADO DO PARANÁ ATRAVÉS DA EXIGÊNCIA DE VALOR MÍNIMO de 1000 UPF/PR

Artigos A LIMITAÇÃO DO DIREITO DE RECURSO ORDINÁRIO AO CONSELHO DE CONTRIBUINTES E RECURSOS FISCAIS DO ESTADO DO PARANÁ ATRAVÉS DA EXIGÊNCIA DE VALOR MÍNIMO de 1000 UPF/PR

Peter Emanuel Pinto*

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O artigo 52, da Lei 18.877/2016 trouxe que o direito de interposição do recurso ordinário estaria limitado ao valor de 1000 UPF/PR, na data da lavratura do auto de infração ou do vencimento da notificação de lançamento. Em seus termos:

 

Art. 52. Da decisão favorável à Fazenda Estadual, no julgamento da reclamação, em que o crédito tributário exigido na data da lavratura do auto de infração ou do vencimento da notificação de lançamento seja superior a 1.000 UPF/PR (mil Unidades Padrão Fiscal do Estado do Paraná) poderá o autuado ou notificado interpor recurso ordinário ao CCRF

Parágrafo único. O valor de alçada de que trata o caput deste artigo será reduzido em 50% (cinquenta por cento) para os contribuintes optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições – Simples Nacional.

 

Nessa mesma linha, o artigo 31, da Resolução SEFA nº 610/2017, trouxe a seguinte previsão:

 

Art. 31. Cabe recurso ordinário, interposto pelo sujeito passivo ao CCRF, da decisão de primeira instância favorável à Fazenda Estadual, em que o crédito tributário exigido na data da lavratura do auto de infração seja superior a 1.000 UPF/PR (mil Unidades Padrão Fiscal do Estado do Paraná).

§ 1º O valor de alçada de que trata o caput será reduzido em 50% (cinquenta por cento) para os contribuintes optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições - Simples Nacional.

§ 2º O recurso ordinário, que poderá impugnar, no todo ou em parte, a decisão recorrida, implicará apreciação e julgamento de todas as questões nele suscitadas.

§ 3º As questões de fato, não alegadas em primeira instância, poderão ser suscitadas no recurso ordinário, se o recorrente provar que deixou de o fazer por algum dos motivos previstos a seguir:

I - na ocorrência de fato superveniente;

II - quando se destinem a contrapor fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos.

 

Assim, o Processo Administrativo Fiscal no Estado do Paraná exige que o valor do crédito tributário seja igual ou superior a 1000 UPF/PR para que possa ser aceito em sede de segunda instância administrativa.

 

Desde o mês de janeiro de 2020, a Instrução 1.485/2019 da SEFA estabelece que o valor unitário da UPF/PR é de R$ 104,90. Assim, a limitação estipulada pelos artigos acima identificados seria de R$ 104.900,00 e, caso o contribuinte seja optante pelo Simples Nacional, o valor de exclusão seria de R$ 52.450,00. Abaixo desses valores, o contribuinte não terá acesso à segunda instância.

 

Não obstante essa previsão legal, a limitação ao direito de interpor recurso administrativo esbarra em direito fundamental do contribuinte de ter acesso ao segundo grau administrativo.

 

O art. 5º, inciso LV, CRFB/1988 ensina que:

 

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade nos termos seguintes:

(...)

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

 

Nesse mesmo caminho, o inciso XXXIV, do mesmo artigo da Carta Maior resguarda o direito de petição:

 

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;

 

O contribuinte possui direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa também perante o processo administrativo fiscal e, não menos, possui garantia constitucional de interpor recurso em segunda instância administrativa, perante órgãos públicos, sem qualquer previsão na Carta Magna de limitação desse direito.

 

Além disso, a Lei Complementar Estadual 107/2005, conhecida como o Estatuto do Contribuinte, garante em seu artigo 21, que são assegurados às partes, no processo administrativo-fiscais, o contraditório, a ampla defesa e duplo grau de deliberação.

 

Em caso análogo ao do Estado do Paraná, o Supremo Tribunal Federal afastou Recurso Extraordinário interposto pela Fazenda do Estado do Mato Grosso, mantendo o entendimento de que a limitação do direito de recorrer, com a fixação de valores mínimos, ofende direito básico previsto na Constituição Federal:

 

Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão assim ementado:

“MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL – RECURSO ADMINISTRATIVO – PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE – REJEITADAS – INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL DO ART. 570-E, § 1º, I, DO REGULAMENTO DO ICMS, INSERIDO PELO ART. 1º, VII, DO DECRETO ESTADUAL Nº 1.747/2008 – SIMPLES LIMITAÇÃO DO DIREITO DE RECORRER AO VALOR DA DÍVIDA – 5000 UPFMT OU R$ 155.037,39 – VIOLAÇÃO À LEGALIDADE, DIREITO DE PETIÇÃO, CONTRADITÓRIO, DEVIDO PROCESSO LEGAL, DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO AMINISTRATIVA, ISONOMIA, DIREITO DE REVERSIBILIDADE ADMINISTRATIVO E PROPORCIONALIDADE – RECONHECIDA E DECLARADA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO AO RECURSO VOLUNTÁRIO – SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. A consecução da democracia, vista de último modo, depende da ação do Estado na promoção de um procedimento administrativo que seja (I) sujeito ao controle dos órgãos democráticos, (II) transparente e (III) amplamente acessível aos administrados. 2. Ocorre que a faceta utilizada no art. 570-E, § 1º, I, do Regimento Interno do ICMS impede que a própria Administração revise um ato administrativo porventura ilícito que encerre valor inferior a 5000 UPFMT, ou seja, menor que R$ 155.037,40 (cento e cinquenta e cinco mil e trinta e sete reais e quarenta centavos). 3. Não se está a dizer aqui, em verdade, que todo o débito fiscal deve, obrigatoriamente, ser sujeitado ao duplo grau administrativo, mas sim que, havendo previsão de reexame da matéria por órgão colegiado superior, o simples valor do crédito não pode servir de parâmetro para objetar o manejo pontual do recurso pelo contribuinte. 4. Como o caput do art. 570-E do Regulamento do ICMS permite a interposição de recurso voluntário das decisões que denegarem, parcial ou integralmente, o provimento do seu pedido de revisão, vislumbra-se que a garantia do duplo grau encontra berço nesta legislação infraconstitucional. 5. O direito de recurso, em procedimentos dessa espécie, reúne a qualidade de um princípio geral do direito e de direito fundamental, gozando de proteção constitucional tanto inciso XXXVI (direito de petição) como no inciso LV (contraditório) no art. 5º da CF/88. 6. Dentre as prerrogativas materiais da Administração remanescente o chamado poder de revisão ou revisional, que nada mais é do que a prerrogativa de que dispõe para avocar processos de escalões hierarquicamente inferiores para posicionar-se sobre a questão. Princípio da Revisibilidade Administrativa. 7. O objetivo prático da norma limitadora parece ter sido o de forçar o recebimento dos créditos tributários menores com assento no pressuposto de que a atuação administrativa do contribuinte é meramente protelatória, o que viola o postulado da isonomia. 8. Falta razoabilidade à norma que elege um limite, simplesmente por estabelecer e sem qualquer justificativa plausível, para arrancar daqueles que possuem débito inferior a 5000 UPFMT do direito de discuti-lo na via recursal e, por conseguinte, a suspensividade de sua cobrança com fulcro no art. 151, III, do CTN. 9. Declarada a inconstitucionalidade incidental do inciso I do § 1º do art. 570-E do Regulamento do ICMS, inserida pelo art. 1º, VII, do Decreto Estadual nº 1747, de 23/12/2008, para possibilitar, no caso concreto, que a impetrante, se assim desejar, interponha recurso administrativo de decisões administrativas de dívidas fiscais inferiores a 5000 UPFMT. ” (fls. 183-185).

 

No RE, fundado no art. 102, III, a, da Constituição, alegou-se violação aos arts. 5º, XXXIV e LV, da mesma Carta.
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O agravo não merece acolhida.

 

Quanto a suposta violação ao inciso XXXIV do art. 5º, observo, inicialmente, que o acórdão recorrido garantiu ao contribuinte o direito de petição e o duplo grau de jurisdição em processo administrativo, litteris:

 

“(...) 4. Como o caput do art. 570-E do Regulamento do ICMS permite a interposição de recurso voluntário das decisões que denegarem, parcial ou integralmente, o provimento do seu pedido de revisão, vislumbra-se que a garantia do duplo grau encontra berço nesta legislação infraconstitucional. 5. O direito de recurso, em procedimentos dessa espécie, reúne a qualidade de um princípio geral do direito e de direito fundamental, gozando de proteção constitucional tanto inciso XXXVI (direito de petição) como no inciso LV (contraditório) no art. 5º da CF/88 (…).”

 

Registre-se que não há divergência entre a fundamentação consignada pelo tribunal a quo e o entendimento deste Supremo Tribunal Federal. Ao julgar o RMS 26.029/DF, a eminente relatora, Ministra Cármen Lúcia, apresentou em seu voto, um estudo próprio sobre os princípios constitucionais do processo administrativo:

 

“Também vinculado ao direito à ampla defesa é o direito à revisão e/ou recurso administrativo. Este é uma extensão do direito à ampla defesa, uma forma de exercê-lo. É a Constituição da República que, no mesmo art. 5º, inciso LV, acopla ao direito à ampla defesa ‘os meios e os recursos a ela inerentes’. O interessado reapresenta a sua argumentação e o seu arrazoado na instância recursal e vê a sua fundamentação ser objeto de novo exame. Na verdade, o recurso é um segundo momento de defesa, agora na instância e perante o juízo recursal competente. As decisões administrativas, inclusive e principalmente aquelas proferidas no processo, podem conter equívocos. São obras humanas e, como tal, sujeitas a desvios e a falhas, como os próprios homens. Daí a necessidade que se foi demonstrando de que as condutas estatais – especialmente aquelas havidas numa relação de contraditório e de questionamento e talvez comprometimento de direitos – submetem-se a duplo exame, porque a oportunidade de haver uma segunda análise propicia uma melhor conclusão e uma maior segurança, diretamente, para o interessado e, reflexivamente, para a coletividade (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais do processo administrativo no Direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, v.34, n. 136, p. 5-28, out./dez., 1997. p. 22, grifos nossos).”

 

Ademais, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que, em regra, a alegação de ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, quando dependente de exame prévio de normas infraconstitucionais, configura situação de ofensa reflexa ao texto constitucional, o que impede o cabimento do recurso extraordinário. Nesse sentido, cito as seguintes decisões: AI 778.923-AgR/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia; AI 596.568-AgR/GO, Rel. Min. Dias Toffoli; AI 806.313-AgR/RN, Rel. Min. Ayres Britto; AI 727.420-AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa; AI 795.489-AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello; AI 755.879-AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes; AI 756.336-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 508.047-AgR/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso; AI 723.935-AgR/GO, Rel. Min. Eros Grau. Isso posto, nego seguimento ao recurso (CPC, art. 557, caput). Publique-se. Brasília, 16 de junho de 2014. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI - Relator –

 

(RE 767336, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 16/06/2014, publicado em DJe-118 DIVULG 18/06/2014 PUBLIC 20/06/2014)

 

Em sua decisão monocrática, o i. Relator Ricardo Lewandowski julgou improcedente o Recurso Extraordinário apresentado pela Fazenda do Estado do Mato Grosso, pois o entendimento apresentado pelo Tribunal de Justiça daquele Estado estava em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ou seja, entendimento pela inconstitucionalidade de dispositivo de norma infralegal que impõe limitação ao exercício do direito de petição, do contraditório e da ampla defesa perante a segunda instância administrativa.

 

Nesse mesmo sentido, foi a decisão monocrática proferida pela i. Ministra Carmen Lúcia, quando da análise de matéria semelhante:

 

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DIREITO DE DEFESA: AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL DIRETA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

 

Relatório

 

1.    Recurso extraordinário interposto com base na al. a do inc. III do art. 102 da Constituição da República contra o seguinte julgado da Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso:

 

“REEXAME NECESSÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA – INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO - NEGATIVA DE SEGUIMENTO COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 570-E, § 1º, I, DO RICMS - LIMITAÇAO DO DIREITO DE RECORRER AO VALOR DA DÍVIDA (5000 UPFMT) - AFRONTA, AO DUPLO GRAU DE JURIDIÇÃO ADMINISTRATIVA E DA ISONOMIA E DIREITO DE REVISIBILIDADE ADMINISTRATIVO - SENTENÇA RATIFICADA. 1 - Consoante entendimento exarado pelo Pleno deste Sodalício, é manifestamente ilegal e inconstitucional a norma insculpida no artigo 570-E, § 1º, I, do RICMS, que impede a interposição de revisão de decisão administrativa (recurso administrativo) com base apenas no valor do débito tributário. 2. Sentença ratificada” (doc. 1, fl. 171).

 

2.    O recorrente alega ter o Tribunal de origem contrariado o inc. LV do art. 5º da Constituição da República e argumenta que “a legislação tributária local que impede conhecimento de recursos de baixo valor pelo Conselho de Contribuintes não pode ser tida como violadora da ampla defesa pelo simples fato de existência de valor de alçada. Assim, diante da necessidade de conciliar o duplo grau de jurisdição aos princípios da razoável duração do processo e da eficiência, não pode prevalecer o pleito do ora recorrido de que o valor de alçada aos órgãos administrativo-tributarios superiores viola o princípio do duplo grau de jurisdição, fazendo surgir direito líquido e certo ao conhecimento de mais um recurso administrativo, desta vez ao Conselho de Contribuintes, independentemente do valor da autuação” (sic, doc. 1, fls. 189-192).

 

Requer “a cassação do acórdão impugnado em razão da constitucionalidade do valor de alçada para recurso ao Conselho de Contribuintes de Mato Grosso previsto no art. 47 da Lei Estadual n. 8.797/08” (doc. 1, fl. 192). Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO.

 

3.    Razão jurídica não assiste ao recorrente.

 

No julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo n. 748.371, Relator o Ministro Gilmar Mendes, este Supremo Tribunal assentou inexistir repercussão geral nas alegações de contrariedade aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal quando o exame da questão depende de prévia análise da adequada aplicação de normas infraconstitucionais:

 

“Alegação de cerceamento do direito de defesa. Tema relativo à suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal. Julgamento da causa dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais. Rejeição da repercussão geral” (DJe 1º.8.2013).

 

Declarada a ausência de repercussão geral, os recursos extraordinários e agravos nos quais suscitada a mesma questão constitucional devem ter o seguimento negado pelos respectivos relatores, conforme o § 1º do art. 327 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

 

4.    Confira-se também a seguinte decisão monocrática transitada em julgado:

 

“Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão assim ementado: ‘MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL – RECURSO ADMINISTRATIVO – PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE – REJEITADAS – INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL DO ART. 570-E, § 1º, I, DO REGULAMENTO DO ICMS, INSERIDO PELO ART. 1º, VII, DO DECRETO ESTADUAL Nº 1.747/2008 – SIMPLES LIMITAÇÃO DO DIREITO DE RECORRER AO VALOR DA DÍVIDA – 5000 UPFMT OU R$ 155.037,39 – VIOLAÇÃO À LEGALIDADE, DIREITO DE PETIÇÃO, CONTRADITÓRIO, DEVIDO PROCESSO LEGAL, DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO AMINISTRATIVA, ISONOMIA, DIREITO DE REVERSIBILIDADE ADMINISTRATIVO E PROPORCIONALIDADE – RECONHECIDA E DECLARADA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO AO RECURSO VOLUNTÁRIO – SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. A consecução da democracia, vista de último modo, depende da ação do Estado na promoção de um procedimento administrativo que seja (I) sujeito ao controle dos órgãos democráticos, (II) transparente e (III) amplamente acessível aos administrados. 2. Ocorre que a faceta utilizada no art. 570-E, § 1º, I, do Regimento Interno do ICMS impede que a própria Administração revise um ato administrativo porventura ilícito que encerre valor inferior a 5000 UPFMT, ou seja, menor que R$ 155.037,40 (cento e cinquenta e cinco mil e trinta e sete reais e quarenta centavos). 3. Não se está a dizer aqui, em verdade, que todo o débito fiscal deve, obrigatoriamente, ser sujeitado ao duplo grau administrativo, mas sim que, havendo previsão de reexame da matéria por órgão colegiado superior, o simples valor do crédito não pode servir de parâmetro para objetar o manejo pontual do recurso pelo contribuinte. 4. Como o caput do art. 570-E do Regulamento do ICMS permite a interposição de recurso voluntário das decisões que denegarem, parcial ou integralmente, o provimento do seu pedido de revisão, vislumbra-se que a garantia do duplo grau encontra berço nesta legislação infraconstitucional. 5. O direito de recurso, em procedimentos dessa espécie, reúne a qualidade de um princípio geral do direito e de direito fundamental, gozando de proteção constitucional tanto inciso XXXVI (direito de petição) como no inciso LV (contraditório) no art. 5º da CF/88. 6. Dentre as prerrogativas materiais da Administração remanescente o chamado poder de revisão ou revisional, que nada mais é do que a prerrogativa de que dispõe para avocar processos de escalões hierarquicamente inferiores para posicionar-se sobre a questão. Princípio da Revisibilidade Administrativa. 7. O objetivo prático da norma limitadora parece ter sido o de forçar o recebimento dos créditos tributários menores com assento no pressuposto de que a atuação administrativa do contribuinte é meramente protelatória, o que viola o postulado da isonomia. 8. Falta razoabilidade à norma que elege um limite, simplesmente por estabelecer e sem qualquer justificativa plausível, para arrancar daqueles que possuem débito inferior a 5000 UPFMT do direito de discuti-lo na via recursal e, por conseguinte, a suspensividade de sua cobrança com fulcro no art. 151, III, do CTN. 9. Declarada a inconstitucionalidade incidental do inciso I do § 1º do art. 570-E do Regulamento do ICMS, inserida pelo art. 1º, VII, do Decreto Estadual n. 1.747 de 23/12/2008, para possibilitar, no caso concreto, que a impetrante, se assim desejar, interponha recurso administrativo de decisões administrativas de dívidas fiscais inferiores a 5000 UPFMT’ (fls. 183-185). No RE, fundado no art. 102, III, a, da Constituição, alegou-se violação aos arts. 5º, XXXIV e LV, da mesma Carta. O agravo não merece acolhida. Quanto a suposta violação ao inciso XXXIV do art. 5º, observo, inicialmente, que o acórdão recorrido garantiu ao contribuinte o direito de petição e o duplo grau de jurisdição em processo administrativo, litteris: (...). Registre-se que não há divergência entre a fundamentação consignada pelo tribunal a quo e o entendimento deste Supremo Tribunal Federal. Ao julgar o RMS 26.029/DF, a eminente relatora, Ministra Cármen Lúcia, apresentou em seu voto, um estudo próprio sobre os princípios constitucionais do processo administrativo: ‘Também vinculado ao direito à ampla defesa é o direito à revisão e/ou recurso administrativo. Este é uma extensão do direito à ampla defesa, uma forma de exercê-lo. É a Constituição da República que, no mesmo art. 5º, inciso LV, acopla ao direito à ampla defesa ‘os meios e os recursos a ela inerentes’. O interessado reapresenta a sua argumentação e o seu arrazoado na instância recursal e vê a sua fundamentação ser objeto de novo exame. Na verdade, o recurso é um segundo momento de defesa, agora na instância e perante o juízo recursal competente. As decisões administrativas, inclusive e principalmente aquelas proferidas no processo, podem conter equívocos. São obras humanas e, como tal, sujeitas a desvios e a falhas, como os próprios homens. Daí a necessidade que se foi demonstrando de que as condutas estatais – especialmente aquelas havidas numa relação de contraditório e de questionamento e talvez comprometimento de direitos – submetem-se a duplo exame, porque a oportunidade de haver uma segunda análise propicia uma melhor conclusão e uma maior segurança, diretamente, para o interessado e, reflexivamente, para a coletividade (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais do processo administrativo no Direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, v.34, n. 136, p. 5-28, out./dez., 1997. p. 22, grifos nossos)’ Ademais, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que, em regra, a alegação de ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, quando dependente de exame prévio de normas infraconstitucionais, configura situação de ofensa reflexa ao texto constitucional, o que impede o cabimento do recurso extraordinário” (RE n. 767.336/MT, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 20.6.2014).

 

5.    Nova apreciação do pleito recursal conduziria ao reexame da legislação infraconstitucional aplicável ao processo. A alegada contrariedade à Constituição da República, se tivesse ocorrido, seria indireta, a inviabilizar o processamento do recurso extraordinário. Assim, por exemplo:

 

“Agravo regimental no recurso extraordinário. CDA. Nulidade. Alegada violação do art. 5º, LV, da CF/88. Matéria infraconstitucional. Afronta reflexa. Multa. Caráter confiscatório. Necessidade de reexame de fatos e provas. Taxa SELIC. Constitucionalidade. 1. A afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa ou do contraditório, quando depende, para ser reconhecida como tal, da análise de normas infraconstitucionais, configura apenas ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal. 2. Ambas as Turmas da Corte têm-se pronunciado no sentido de que a incidência de multas punitivas (de ofício) que não extrapolem 100% do valor do débito não importa em afronta ao art. 150, IV, da Constituição. 3. Para acolher a pretensão da agravante e ultrapassar o entendimento do Tribunal de origem acerca da proporcionalidade ou da razoabilidade da multa aplicada, seria necessário o revolvimento dos fatos e das provas constantes dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF. 4. É firme o entendimento da Corte no sentido da legitimidade da utilização da taxa Selic como índice de atualização de débitos tributários, desde que exista lei legitimando o uso do mencionado índice, como no presente caso. 5. Agravo regimental não provido” (RE n. 871.174-AgR, Relator o Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 11.11.2015).

 

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. CRÉDITOS ESCRITURAIS. TRANSFERÊNCIA. REAPRECIAÇÃO DE NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS. SÚMULA 280 DO STF. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DO STF. ALEGADA CONTRARIEDADE AO ART. 93, IX, DA CF. REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO IMPROVIDO. I - É inadmissível o recurso extraordinário quando sua análise implica rever a interpretação de normas infraconstitucionais que fundamentam a decisão a quo. Incidência da Súmula 280 desta Corte. Precedentes. II - Inviável em recurso extraordinário o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Incidência da Súmula 279 do STF. Precedentes. III - Agravo regimental improvido" (RE n. 919.026-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 17.11.2016).

 

Nada há a prover quantos às alegações do recorrente.

 

6.    Pelo exposto, nego provimento ao recurso extraordinário (al. a do inc. IV do art. 932 do Código de Processo Civil e § 1º do art. 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 21 de fevereiro de 2019. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora

 

(RE 1183805, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 21/02/2019, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-046 DIVULG 07/03/2019 PUBLIC 08/03/2019)

 

Nota-se que em ambas decisões monocráticas o Supremo Tribunal Federal afastou os recursos extraordinários do Fisco do Estado do Mato Grosso, mantendo o entendimento do Tribunal de Justiça daquele Estado pela inconstitucionalidade da norma que estabelecia a limitação do direito de recorrer ao conselho de contribuintes, pelo motivo de que o valor do tributo era inferior ao que previa a legislação estadual.

 

Também no Estado do Mato Grosso, o posicionamento da jurisprudência já é no sentido da inconstitucionalidade da norma que impõe limite ao exercício do direito de recorrer para a segunda instância administrativa, com base em valor mínimo do crédito tributário:

 

TRIBUTÁRIO – REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – DECISÃO QUE INDEFERE PEDIDO DE REVISÃO DE LANÇAMENTO – INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO – NEGATIVA DE SEGUIMENTO COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 570-E, § 1º, I, DO RICMS – LIMITAÇÃO DO DIREITO DE RECORRER AO VALOR DA DÍVIDA (5000 UPFMT) – AFRONTA À LEGALIDADE, DIREITO DE PETIÇÃO, CONTRADITÓRIO, DEVIDO PROCESSO LEGAL, DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA , ISONOMIA, DIREITO DE REVISIBILIDADE ADMINISTRATIVO E PROPORCIONALIDADE – SENTENÇA RATIFICADA. 1- Consoante entendimento externado pelo Pleno deste Sodalício, é manifestamente ilegal e inconstitucional a norma insculpida no artigo 570-E, §1º, I, do RICMS, que objeta a interposição de revisão de decisão administrativa ( recurso administrativo ) pelo contribuinte com espeque apenas no valor do débito tributário em discussão, porque esbarra em princípios constitucionais basilares do direito , tais como direito de petição, contraditório, ampla defesa, duplo grau de jurisdição administrativa , isonomia, direito de revisibilidade administrativa e proporcionalidade. 2 - Em ocorrendo a hipótese de manejo do recurso voluntário administrativo, a exemplo de decisão que nega provimento à revisão de crédito tributário que acarreta a constituição de crédito (artigo 570-E, caput), não pode a Administração objetar sua interposição pelo contribuinte, apenas com base no valor da dívida (art. 570-E, §1º, I, do RICMS).

(N.U 0019695-09.2015.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 30/09/2019, Publicado no DJE 04/10/2019)

 

TRIBUTÁRIO – REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – DECISÃO QUE INDEFERE PEDIDO DE REVISÃO DE LANÇAMENTO – INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO – NEGATIVA DE SEGUIMENTO COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 570-E, § 1º, I, DO RICMS – LIMITAÇÃO DO DIREITO DE RECORRER AO VALOR DA DÍVIDA (5000 UPFMT) – AFRONTA À LEGALIDADE, DIREITO DE PETIÇÃO, CONTRADITÓRIO, DEVIDO PROCESSO LEGAL, DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA , ISONOMIA, DIREITO DE REVISIBILIDADE ADMINISTRATIVO E PROPORCIONALIDADE – SENTENÇA RATIFICADA. 1- Consoante entendimento externado pelo Pleno deste Sodalício, é manifestamente ilegal e inconstitucional a norma insculpida no artigo 570-E, §1º, I, do RICMS, que objeta a interposição de revisão de decisão administrativa ( recurso administrativo ) pelo contribuinte com espeque apenas no valor do débito tributário em discussão, porque esbarra em princípios constitucionais basilares do direito , tais como direito de petição, contraditório, ampla defesa, duplo grau de jurisdição administrativa , isonomia, direito de revisibilidade administrativa e proporcionalidade. 2 - Em ocorrendo a hipótese de manejo do recurso voluntário administrativo, a exemplo de decisão que nega provimento à revisão de crédito tributário que acarreta a constituição de crédito (artigo 570-E, caput), não pode a Administração objetar sua interposição pelo contribuinte, apenas com base no valor da dívida (art. 570-E, §1º, I, do RICMS).

(N.U 0042973-10.2013.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 04/11/2019, Publicado no DJE 18/11/2019)

 

Portanto, estabelecer limites com base em valores para que o sujeito passivo tenha acesso à segunda instância administrativa é ofensa direta aos princípios constitucionais do duplo grau de jurisdição administrativo, do direito de peticionar perante o Poder Público, do contraditório, da ampla defesa, do direito de revisibilidade administrativa e da proporcionalidade.

 

Infelizmente, no Estado do Paraná ainda se limita a propositura do recurso administrativo ordinário ao valor mínimo de 1000 UPF/PR, sob a bandeira e desconfiança de que o contribuinte poderá sorrateiramente utilizar dessa via administrativa para retardar a cobrança do crédito tributário. É a mesma coisa que medir o medicamento pelo seu efeito colateral e não pelo número de curados.

        

Por óbvio os casos de desvio devem ser apurados e punidos. No entanto, o contribuinte que realmente precisa não pode ser colocado à margem de seus direitos constitucionais.

 

         Desta forma, o Fisco do Estado do Paraná deve respeitar o direito do sujeito passivo de interpor recurso ao Conselho de Contribuintes para discussão de matéria tributária pautada em qualquer valor, sob penda de atentar contra a correta aplicação da justiça e respeito à Constituição Federal.

 

 

Este artigo foi publicado na página da Comissão de Direito Tributário da OAB de Ponta Grossa-PR, no dia 09/06/2020: https://www.instagram.com/p/CBO_Qg1Hgrg/?igshid=5cui7chotr5s

 

  • MBA com ênfase em Finanças, Controladoria e Auditoria, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) (2018); Pós-graduação em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio (2017); Pós-graduação em Direito Tributário pelo IBET de Curitiba-PR (2011), graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Campos Gerais (2009). Atualmente é membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDTPR), professor de Direito tributário na graduação pelo Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais - Cescage. Professor de Direito Aplicado ao Agronegócio na Pós-Graduação pelo Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais - Cescage. Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB de Ponta Grossa-PR (2016-2018). Conselheiro da OAB de Ponta Grossa - PR. Membro do Conselho Municipal de Contribuintes de Ponta Grossa - PR. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Tributário, Empresarial, Médico e Previdenciário.

Peter Emanuel Pinto

“Estar advogado é ter habilitação para praticar a advocacia. Ser advogado é dedicar a vida inteira em defesa dos direitos do cidadão.”

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