Peter Emanuel Pinto[1] - OAB/PR 51.541
O ITBI[1] é um tributo de competência dos Municípios e do Distrito Federal e incide sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis, entre vivos, por ato oneroso, bem como a cessão de direitos a sua aquisição, nos termos do art. 156, inciso II, da Constituição Federal.
O Código Tributário Nacional (CTN) prevê em seu artigo 38 que a base de cálculo desse imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, ou seja, bens imóveis ou o direito de propriedade a esses bens referidos. Nem a Constituição, nem o CTN foram mais além na construção do conceito do que seria o valor venal do imóvel a ser transmitido, deixando o cidadão num vácuo conceitual. Coube ao legislador municipal detalhar na lei ordinária os alcances desse conceito. Também, a jurisprudência e a doutrina empenharam grande esforço nessa delimitação.
O doutrinador Aires Fernandino Barreto[2] apresenta a seguinte lição sobre o conceito de valor venal:
A base de calculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos ou cedidos. O valor venal não é necessariamente o valor do negócio realizado. A Constituição e o Código Tributário Nacional não exigem que o valor venal coincida com o valor da efetiva transação imobiliária, onde até os fatores subjetivos poderiam interferir na sua fixação.
(...)
Com efeito, em sendo a base de cálculo o valor venal (valor de mercado), cabe ao Fisco a busca da verdade material, não aceitando a declaração do contribuinte de valor notoriamente inferior ao do mercado. Mas é preciso que se demonstre, cabalmente, que se tem valor flagrantemente inferior ao de mercado.
Não se olvide que valor venal é o preço provável que o imóvel alcançará para compra e venda à vista, diante de mercado estável e quando comprador e vendedor têm plena consciência do potencial de uso e ocupação que ao imóvel pode ser dado. Não se esqueça de que o valor venal é de mensuração extremamente difícil, porque influenciada por uma série de fatores internos e externos, de natureza subjetiva, o que impede seja transformada em número inconteste. Muito cuidado deve ter o aplicador da lei para não extrapassar o valor dos imóveis.
Ainda sobre o conceito de valor venal para o ITBI, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se manifestado no sentido de que ''o valor da base de cálculo do ITBI é o valor real da venda do imóvel ou de mercado, sendo que nos casos de divergência quanto ao valor declarado pelo contribuinte pode-se arbitrar o valor do imposto, por meio de procedimento administrativo fiscal, com posterior lançamento de ofício, desde que atendidos os termos do art. 148 do CTN''[3].
A Lei Municipal 6.857/2001, de Ponta Grossa-PR, estabelece em seu artigo 244 a delimitação da base de cálculo do ITBI. Conforme a sua redação, a base de cálculo do imposto é o valor de mercado do bem ou dos direitos transmitidos ou cedidos, apurados no momento do pagamento do tributo. Mesmo diante da disposição deste artigo, ainda há nessa lei uma lacuna no que concerne à forma objetiva de se calcular o valor de mercado do bem imóvel.
Primeiramente, deve-se lembrar que o art. 240, da Lei Municipal, é claro em escolher a forma de lançamento do imposto por meio do método da entrega de declaração pelo contribuinte ao Fisco, para que este calcule o valor do imposto. O contribuinte é quem informa a Fazenda Pública Municipal o valor de mercado do imóvel. Sua declaração possui presunção de que o valor informado é o valor de mercado. Caso seja omisso ou não mereça fé a sua declaração, a Fazenda Municipal realizará a apuração do valor de mercado do imóvel e o cálculo do imposto, o que é chamado de lançamento de ofício por arbitramento.
Delimitado o procedimento de constituição do ITBI, resta saber como o contribuinte calcula o valor de mercado, o qual será a base de cálculo para a incidência da alíquota do imposto. Ressalte-se que a Lei não traz um método objetivo para esse cálculo. Pelo contrário: a norma apresenta alguns critérios que, se levados em consideração, desenham a forma como o Município entende ser o valor de mercado.
O art. 244, conforme mencionado acima, não conceitua uma fórmula de cálculo do valor de mercado do imóvel. Não obstante a isso, estabelece em seu parágrafo 4o que na aquisição de imóvel na planta ou em construção, para entrega futura, a base de cálculo do imposto é o valor do imóvel como se pronto estivesse apurado através do seu valor de mercado e através da metodologia do parágrafo sexto do mesmo artigo.
Esse mencionado parágrafo sexto trata da fórmula de apuração da base de cálculo dos imóveis na planta ou em construção. Prevê que a fiscalização municipal poderá considerar como valor de mercado o valor da avaliação para financiamento, o valor do contrato de promessa de compra e venda ou valor declarado pelo sujeito passivo, tomando dentre eles o maior valor.
Para os imóveis residenciais edificados ou em construção, financiados pelo SFH/PMCMV[4] por prazo não inferior a cinco anos e com garantia hipotecária ou por alienação fiduciária, o art. 244-C, §2o, considera que a base de cálculo será o maior valor entre o valor de compra e venda e o valor da avaliação e/ou valor de garantia fiduciária para fins de leilão, efetuado pela instituição financeira.
Da leitura dos dispositivos acima, pode-se entender que o Município de Ponta Grossa sempre tributará o ITBI pelo maior valor presente na transação entre comprador e vendedor, independentemente da declaração do contribuinte ou de outros critérios.
Para exemplificar, imagine uma situação bem corriqueira, a qual seria a aquisição de imóvel através de contrato de financiamento acima de 2.300 VRs[5] (R$ 230.000,01). O vendedor anuncia seu imóvel pelo peço máximo. O comprador faz uma proposta para a redução do preço. O vendedor aceita reduzir o valor de seu imóvel. Acertado o preço abaixo do que foi anunciado, dá-se início ao pedido de financiamento junto a uma instituição bancária. Para liberação do financiamento, normalmente é realizada uma vistoria para avaliação do imóvel pelo banco.
O perito fixa um valor maior de avaliação em comparação com o valor acordado entre comprador e vendedor e, também, do valor anunciado pelo comprador na imobiliária. Desse cenário, pode-se questionar: qual será o valor de mercado que servirá de base de cálculo para o imposto? Conforme a leitura dos artigos 244 e 244-C da Lei mencionada, será o maior valor, ou seja, o valor que foi fixado pelo avaliador do banco. Portanto, o Município de Ponta Grossa tributa o ITBI sempre pelo maior valor e não pelo valor de mercado.
Tal critério é bastante controverso, pois a própria Lei Municipal do ITBI prescreve que a forma de lançamento desse imposto é por declaração, ou seja, o contribuinte declara ao Município qual é o valor de mercado do imóvel que está sendo adquirido. Com base nessa declaração é que a municipalidade efetua o lançamento. Essa declaração possui presunção de veracidade, a qual só pode ser afastada mediante produção de provas por parte da Fazenda Municipal. Caso não confie nas informações apresentadas pelo contribuinte, o Fisco poderá realizar o lançamento de ofício ou por arbitramento. Estas duas modalidades de lançamento só ocorrem caso a declaração do contribuinte não esteja dentro do valor de mercado.
Contudo, essa não tem sido a regra seguida. Tampouco o Município tem respeitado o valor de mercado dos imóveis, partindo sempre para o maior valor. Quando se pensa em valor de mercado, termo este trazido pela Lei do ITBI, pensa-se que é o valor que o mercado imobiliário está disposto a pagar, ou seja, o acerto entre oferta e procura. O valor de mercado transita entre o valor máximo e mínimo numa situação regular de mercado.
O valor apresentado pelo perito do banco pode ser utilizado como um critério para se levar em consideração para determinar o valor de mercado, mas nunca o único valor. O que se quer dizer é que valor de mercado é uma média entre vários fatores, tais como a avaliação do perito, o valor ofertado ao mercado e o valor de compra entre as partes.
O STJ formou posicionamento pacífico quando do julgamento do REsp 1.937.821, Tema 1113, em que fixou as seguintes teses:
a) A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
b) O valor da transação declarado pelo contribuinte goza de presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);
c) O Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.
No entanto, para o Município de Ponta Grossa, o valor de mercado será sempre o maior valor apurado na comercialização do imóvel, o que ofenderia o conceito de valor de mercado trazido pelo entendimento da doutrina e da jurisprudência nacional. O resultado é o excesso de tributação. Isso poderá gerar valores de ITBI recolhidos indevidamente, o que atrai o direito do contribuinte de buscar o ressarcimento administrativo e judicial desses valores.
[1] Imposto sobre a transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição – art. 156, inciso II, CRFB/1988.
[2] BARRETO, Aires Fernandino. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo: Saraiva, p. 295.
[3] AgRg no AREsp 263685 / RS, Rel. Ministro Humberto Martins, j. 16/04/2013, p. DJe 25/04/2013.
[4] SFH – Sistema Financeiro da Habitação. PMCMV – Programa Minha Casa Minha Vida.
[5] 6.857/2001, Art. 245: O Valor de Referência (VR) corresponderá, a partir de 1o de janeiro de 2022, a R$ 100 (cem reais).
[1] Peter Emanuel Pinto é advogado tributarista da sociedade Pinto & Bowens Advogados Associados (OAB/PR 5.745). Pós-graduado em MBA com ênfase em Finanças, Controladoria e Auditoria, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) (2018); Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio (2017); Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET de Curitiba-PR (2011); Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Campos Gerais (2009); Professor de Direito Tributário pelo Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais - Cescage; Professor de Direito Aplicado ao Agronegócio na Pós-Graduação pelo Cescage; Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB de Ponta Grossa-PR, gestão 2016-2018; Conselheiro da OAB Subseção de Ponta Grossa - PR; Membro do Conselho Municipal de Contribuintes de Ponta Grossa - PR; Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Tributário, Empresarial e Médico.